É em Sarajevo que encontramos um monumento insólito. Para compreender esta réplica de uma enorme lata de carne de vaca enlatada é preciso ter em mente um aspecto cultural predominante dos habitantes da cidade: o seu sentido de humor, negro e mordaz. E, claro, como com tantas outras coisas da Sarajevo de hoje, recuar aos tempos da guerra civil.
Com o estabelecimento do cerco e o desaparecimento das reservas de géneros alimentícios existentes na cidade, os responsáveis da UNPROFOR (United Nations Protection Force) compreenderam que teriam que fazer algo para evitar uma catástrofe humanitária. A população de Sarajevo teria que receber um mínimo de alimentos e naquele momento a entrada de mantimentos era basicamente nula.
O estabelecimento de uma rota por terra era impossível. Os sérvios nunca o permitiriam. As forças das Nações Unidas ocuparam então o aeroporto de Sarajevo para que o abastecimento à cidade se pudesse fazer. Talvez se pensasse em repetir a proeza da ponte aérea que alimentou Berlim enquanto durou o bloqueio soviético, entre 1948 e 1949. Mas o empenhamento não seria suficiente para manter o caudal de bens necessários. A Berlim chegava um avião de poucos em poucos minutos. Em Sarajevo, logo se viu, aterravam umas poucas aeronaves a cada dia que passava.
Quase todos os dias chegavam carregamentos de farinha, de lentilhas e de arroz. Mas por vezes, devido à violência dos combates, a aterragem era impossível. Tornava-se evidente que a solução tentada não estava a resultar. A população definhava. A alimentação era insuficiente.
Foi então que a ONU mudou a dieta fornecida: os carregamentos passaram a fazer-se de produtos mais calóricos, nomeadamente doses de queijo do tipo feta e… latas de carne de vaca, conhecidas como Latas ICAR.
O queijo foi bem aceite, mas as latas ICAR eram detestadas pela maioria da população, que as consumia a custo e à falta de alternativa. A carne era teoricamente de vaca, mal cozida ou crua e mergulhada numa substância gelatinosa que a conservava.
O sabor era terrível, o sal dominava tudo. Diz quem experimentou que era como se estivesse a comer sal à colher.
Talvez não seja secreto, mas não há muita gente que tenha conseguido descobrir o que é que na realidade existia no interior das latas ICAR. Os pedaços de carne era vermelhos, e muita gente dizia que estavam totalmente crus.
Terminada a guerra, a cidade decidiu erigir este monumento às Latas IKAR. com uma mensagem subliminar que pretende dizer mais ou menos “Obrigadinho, mas isto era mesmo mau demais!”.
O monumento foi inaugurado a 6 de Abril de 2007. No dia da cidade, que comemora o aniversário do final da ocupação nazi, no período final da Segunda Guerra Mundial.
O autor, Nebojša Šerić Šoba, pretendia colocá-lo frente ao edifício presidencial, bem no centro de Sarajevo. Queria manter a sua alegoria bem frente aos olhos dos políticos estrangeiros que visitavam a cidade frequentemente. Mas não foi autorizado, e teve que se contentar com a actual localização, um pouco mais afastado, junto ao Museu de História da Bósnia e Herzegovina.
A inscrição que se pode ler, “Spomenik međunarodnoj zajednici” significa, “Monumento Dedicado à Comunidade Internacional”. E encontra-se assinada “Cidadãos de Sarajevo, com Agradecimentos.”
O monumento tem sido repetidamente vandalizado e não parece ser popular nos dias que correm. A opinião corrente é que já teve graça mas agora os habitantes da cidade prefeririam esquecer os tempos difíceis e dispensar estes marcos que reavivam memórias dolorosas.
De tal forma que o próprio autor escreveu nos eu blog algo como: “Sim, foi engraçado durante algum tempo mas não nos apetece ter aqui alguma coisa que nos lembre da nossa desgraça e obrigação de engolir o lixo porque não tínhamos mais nada para comer.”