Esta é a história de Bosko e Admira. Uma história triste, trágica, como tantas outras que se desenrolaram em Sarajevo durante aqueles dias de cerco, entre 1992 e 1995. Mas esta… não sei… parece simplesmente ser mais triste e trágica do que qualquer outra…
Bosko e Admira eram jovens. Ele tinha 24 anos, ela, 25. Ele era de origem sérvia, enquanto a família dela era muçulmana. Tinham-se conhecido anos mais cedo, no liceu. Beijaram-se pela primeira vez numa festa de passagem de ano. E apaixonaram-se. Era o início de 1984. Tinham dezasseis anos. E era o início do maravilhoso ano de Sarajevo, quando ali decorreram os Jogos Olímpicos de Inverno. Dias felizes.
Segundo diz quem os conheceu, andavam juntos para todo o lado. Sempre. Até aquela dia, em 1993. Ou, quem, sabe, mesmo depois disso. Tinham certamente planos para uma vida em comum. Mas não contavam com a chegada da guerra.
Quando as forças sérvias cercaram a cidade e a violência começou, quando se iniciaram os bombardeamentos e caíram as primeiras vítimas do fogo nos snipers, Bosko recusou juntar-se ao sitiantes. Isso começou a causar-lhe problemas crescentes junto dos vizinhos sérvios. Ainda por cima, Bosko tinha formação militar específica, tinha cumprido serviço militar como oficial do Exército Nacional da Jugoslávia.
Esses foram tempos difíceis para o jovem casal. Nunca se tinham mantido tanto tempo separados. Escreviam-se quase todos os dias. As suas cartas falavam de saudade, dos projectos para o futuro, do momento em que se reencontrariam.
Mas o futuro não seria o que sonharam. A guerra, de novo a guerra. Cada dia a vida se revelava mais difícil. Apesar das excelentes relações entre as famílias dos dois jovens, chegou o momento em que a fuga se tornou inevitável.
Numa cidade relativamente pequena, havia conhecimentos que podiam ser úteis. Um dos comandantes das forças que defendiam a cidade, Cello, um figurão, meio gangster, meio herói, era amigo de Bosko. Nos seus tempos de escola, ironicamente, o irmão mais velho de Bosko tinha-o protegido dos rufiões mais encorpados e desde então havia uma relação de amizade entre os dois jovens.
Cello tinha o poder para deixar o casal passar pelas linhas bosniak e os contactos para que os de lado de lá fizessem o mesmo. E ficou tudo combinado. Para as 17 horas do dia 19 de Maio de 1993.
Tudo parecia correr bem. Segundo uma testemunha ocular, “a rapariga levava uma mala que balançava. Corriam de mãos dadas. Ela parecia dançar. De repente ouvi os tiros. Eles caíram no chão, abraçados.”
Bosko terá morrido imediatamente. Ela arrastou-se, rastejou até ao seu cadáver e ali ficou, expirando cerca de dez minutos depois. Os seus corpos ali ficaram, durante oito dias, até os sérvios mandarem alguns prisioneiros muçulmanos recolher os cadáveres.
Tudo se passou na ponte Vrbanja, precisamente no local onde caíram as primeiras vítimas desta guerra.
Como em tantos outros incidentes desta guerra, as circunstâncias das mortes de Admira e Bosko nunca serão inteiramente conhecidas. Quem disparou e porquê? Terá sido uma falha de comunicação ou um ataque pleno de intenção? Talvez a fuga dos dois jovens representasse um símbolo de paz e de união intolerável para uma das partes… ou para as duas. Contudo, nunca ninguém assumiu a autoria dos disparos.
Depois da guerra os pais dos jovens, como tantos outros habitantes de Sarajevo, abandonaram a cidade, incapazes de de lidar com as memórias negras que ali se formaram. Os restos mortais de Bosko e Admira foram trasladados para o cemitério dos Leões, junto ao estádio, onde se encontram milhares de outras vítimas.
No ano seguinte estreou um documentário dirigido pelo canadiano John Zaritsky, e produzido por PBS’s Frontline, Canadian Broadcasting Corporation, National Film Board of Canada e WDR Germany: Romeo and Juliet in Sarajevo. Este documentário, de cerca de 90 minutos, pode ser encontrado no Youtube. Em inglês, muito interessante, com muita informação sobre a história e algum trabalho de investigação sobre o que sucedeu realmente naquele trágico dia: